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Herrar é umano - Testemunho de um gap year forçado

Atualizado: 3 de set. de 2023

Ninguém nasce ensinado: muito menos sobre si próprio. Falaram-nos dos Descobrimentos, mas ninguém nos explicou como nos descobrimos a nós mesmos.

Eu sou a Diana, tenho 20 anos, sou como tu e como todos, e quero ser (brutalmente) honesta contigo: se pensas que sabes tudo sobre ti própri@, provavelmente não sabes é nada!

Não comeces já a chamar-me nomes! 😉 Cada pessoa é um mundo. Se há água em Marte, deve haver quem sempre soube o que queria. Já eu admito que me imaginei numas seis profissões diferentes antes de chegar ao Secundário. Porém, quando terminei o 12º ano e percebi que não conseguia entrar em Medicina, senti-me roubada de algo que nunca tivera. Após três anos de luta por uma média que me permitisse entrar no tão desejado curso, vi a porta de entrada barrada por três horas de um exame de Matemática. E porquê? Porque é assim mesmo: e, às vezes, esta explicação tem de nos bastar.

A minha primeira vez a usar um estetoscópio não foi em Medicina: foi na Cruz Vermelha! As coisas não acontecem sempre como pensamos...

Mas não foi o IAVE que me mandou passar um mês sem sair de casa, entregue a montanhas de exames de anos anteriores e a sonos curtos e inquietos, sem fazer exercício nem refeições regulares. Fui eu que barrei a entrada a mim própria por ser escrava da minha obstinação e, acima de tudo, por ter desrespeitado a minha própria existência. Não apenas por isso, claro está: mas sobretudo por isso.

Após algumas lágrimas e músicas metal, tive de aceitar que havia uma decisão a tomar: tentar a minha sorte noutro curso e, eventualmente, voltar a tentar Medicina no ano seguinte, ou fazer um gap year e concentrar todas as minhas energias na ambicionada desforra (na altura, pensava eu que tinha sido derrotada).

O meu medo da inércia empurrou-me para a primeira opção, e foi assim que mudei a minha ordem de preferências de candidatura um grand total de 7 vezes, ponderando Enfermagem, Ciências da Nutrição, Medicina Dentária, Psicologia e Biologia. Dou-vos já o spoiler: fiquei colocada em Enfermagem na ESEL, a minha primeira opção após as duas de Medicina em que sabia que não entraria. Porém, plot twist: não me matriculei.

Os meus pais – a quem devo tudo e mais do que tudo – vendo-me tão instável nas minhas escolhas, tomaram a decisão de me negar a entrada na faculdade. Não fiquei nem feliz nem triste. Contudo, admito que, nos primeiros dias, enquanto deslizava interminavelmente pelos instastories dos meus amigos, que embarcavam nas suas aventuras universitárias, me ressenti silenciosamente, sentindo-me inútil aos meus olhos e aos de toda a gente. Acordava, saía de casa sem propósito e sentava-me, exausta, nas escadas das ruas antigas, como se tivesse perdido um comboio que não tornaria a parar na minha estação. Tinha medo de estar sozinha. Não sabia estar comigo própria.

Prometi a mim própria que, um dia, a estátua de Egas Moniz, na entrada da FMUL, não estaria de costas voltadas para mim.

Mas a amargura, eventualmente, morre na língua, e cansei-me de sentir pena de mim própria. À medida que conversava com os meus amigos caloiros e percebia o quanto o início da faculdade podia ser atribulado quando o salto era mal calculado, dei-me conta do meu privilégio: fora-me concedida a hipótese de tirar um ano para mim, para reencontrar as minhas forças e focar-me a 100% no meu caminho – independentemente de qual este pudesse ser. E esta metamorfose de perspetivas, meus amigos, é, muitas vezes, tudo o que precisamos para tomar as rédeas do nosso destino.

Liguei para a minha Escola Secundária e pedi autorização à direção para frequentar testes das disciplinas cujos Exames repetiria. Aprendi a estudar milhares de horas sem sacrificar a minha saúde. Inscrevi-me numa escola de condução. Li mais de 50 livros. Questionei se Medicina era realmente o que queria. Participei em três concursos de escrita, um dos quais venci. Fui contactada por duas editoras. Declamei poesia em bares à noite (assumidamente ébria). Saí com velhos amigos e descobri novos. Apaixonei-me. Juntei-me à Easy Future para poder estar hoje aqui contigo. Obtive dois 20s nos Exames Nacionais e candidatei-me a Medicina com uma média com que nunca teria sonhado. E tornei-me voluntária na Cruz Vermelha, formando-me como TAT (técnica de ambulância de transporte) e encontrando uma casa que quero levar para o meu futuro pessoal e profissional enquanto me for fisicamente possível. Vi um homem morrer à minha frente, e tive a certeza de que quero dedicar a minha vida ao serviço da existência humana.

Hoje, escrevo-te enquanto estudante de 2º ano na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. E prometo-te que a tua última queda é só o início da tua próxima subida.

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