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De Macau para Portugal em tempos de pandemia

“Eu já estava à espera da mudança”, disse-nos o Zé quando lhe propusemos falar da sua experiência, no que concerne à mudança drástica que a sua vida sofreu ao ingressar na Universidade. Deixamos-te aqui o testemunho do José Miguel Vaz, um estudante do 1º ano no Mestrado Integrado em Engenharia Física, na Faculdade de Ciência da Universidade do Porto, que veio estudar para Portugal com Macau no coração.

Zé, o "aventureiro"
Zé, o "aventureiro"

A transição do ensino secundário para o ensino superior é, por si só, um dos momentos mais desafiantes na vida de um estudante. O processo é algo hercúleo quando nos é exigida, em acréscimo, uma adaptação rápida ao novo estilo de ensino mas, em simultâneo, a novas rotinas diárias, pois uma fração muito significativa de estudantes tem a necessidade de mudar de cidade para dar continuidade aos seus estudos. Isto acarreta responsabilidades de outras índoles, nomeadamente aprender a gerir orçamentos, ganhar autonomia nas tarefas domésticas (quer queiramos quer não, passamos a ter que manter uma casa) e conciliar tudo isto com cursos que exigem de nós uma exímia gestão de tempo e muito empenho e foco. Para o Zé, porém, o cenário foi ainda menos idílico, já que ele não só mudou de cidade, como deixou o seu país para vir estudar para Portugal, ficando a uns meros 10856 quilómetros de casa, mais precisamente a cerca de treze horas de viagem de avião! E em tempos de pandemia de covid- 19!

Uma das imagens de Macau, cedidas pelo Zé
Uma das imagens de Macau, cedidas pelo Zé

Em Macau, Zé estudou na Escola Portuguesa de Macau e encontra-se, atualmente, como já referido, a estudar Engenharia Física.“É muito diferente vir de Macau para cá, a tua definição de cidade passa de ser prédios de muitos andares, poderes andar às quatro da manhã e ter tudo aberto para Portugal”, onde o contexto é bastante dicotómico. “Aqui em Portugal ainda não vi edifícios de sessenta andares!”, relata Zé. “Mas o grande problema não foi esse, de maneira nenhuma, em Macau eu tinha o meu conforto, tinha a minha rede de amigos, conhecia toda a gente, todos os caminhos, todos os becos, absolutamente tudo. Se eu precisasse de alguma coisa sabia como me arranjar e do nada sou posto neste sítio onde, literalmente, não conheço ninguém, onde se conhecer uma rua é muito e mais do que isso, num contexto de pandemia, não posso fazer nada”. Zé descreve as dificuldades que atravessou, e que foram profundamente agravadas pela atual conjuntura que nos assola. Em setembro, “a situação pandémica estava mais controlada e aproveitei para passear mais pela cidade do Porto, aproveitei para conhecer os meus colegas mas é muito difícil conseguir-me adaptar a uma vida completamente diferente quando quase não posso ver pessoas à frente”. O avançar galopante dos casos ativos de covid-19 puseram-nos a todos à prova, mas para este estudante, os desafios foram uma constante e muito difíceis de encarar, pelas razões que elencou.

“O mais importante para mim foi, sinceramente, começar a conhecer pessoas”. Zé faz uma alusão muito vincada à preponderância do estabelecimento de relações interpessoais na integração na vida de faculdade. “Eu comecei a dar-me com duas pessoas e, sem ter que fazer muito, apercebi-me de que estava incluído num grupo, aliás, temos um chat onde falamos diariamente” onde ele se sente muito apoiado. “Isso ajudou-me a sentir-me menos sozinho e isso é ainda mais fulcral (…), os alunos mais velhos estão muito dispostos a ajudar, daquilo que percecionei. Consegui conhecer mais gente pelo discord do curso, gente mais velha que tem fornecido apontamentos e isso é sempre uma grande ajuda”.

Quando questionado em relação a conselhos para futuros estudantes universitários em situações similares com a sua e não só, ter um plano B revelou-se essencial para o estudante. “Fui-me mantendo em contacto com colegas meus que também vieram de Macau, ainda que para faculdades diferentes”. Ter algum suporte de caras conhecidas foi notoriamente positivo, e isso ajudou-o a ganhar à vontade para com os seus novos colegas. Num ponto de vista mais académico, Zé também referiu estar a gostar imenso do curso, “apesar de haver cadeiras que me desafiam mais, mas o apoio dos alunos mais velhos tem-me facilitado muito a minha experiência no curso”. Esta é uma particularidade transversal a todos os estudantes universitários!

Porto City
Porto City

No que concerne ao ganho de novos hábitos em casa e adaptação às novas rotinas, “Eu estou a morar com a minha irmã e com o meu primo a partilhar casa, mas eu já sabia que vinha para cá e que ia ter mais responsabilidades a nível de tarefas domésticas, pelo que tentamos manter uma certa rotatividade nas tarefas. Lá, alguns meses antes de vir para cá, andei de volta dos meus pais para tentar aprender ao máximo os básicos, como cozinhar, tratar da roupa, coisas que lá não fazia com tanta frequência e assim fui aprendendo a fazer as coisas de forma mais rápida e eficiente” sem comprometer os meus estudos. Ter tempo para tudo, ao fim ao cabo. “Como sabia que, eventualmente, iria ter saudades de lá, tentei, aprender alguns pratos típicos para fazer aqui”, complementa ele.

Em suma, Zé denota estar a ter uma experiência positiva, atribulada, indubitavelmente, mas com muitos fatores que compensam as dificuldades… “estou no Porto, é a Invicta, especialmente de manhã, vendo o sol a nascer junto ao Douro… coisa linda. Mesmo em confinamento deu para me apaixonar pela cidade”. E, certamente, pelas pessoas!

São relatos como este que confirmam a máxima que é nos momentos mais instigantes que mais desenvolvemos novas capacidades, autonomia, independência, enfim, aflora toda a parte humana que tanto nos caracteriza, a aclimatação a novas realidades. Aprendemos que podemos moldar-nos às circunstâncias e aprender a lidar com as situações mais disfóricas, “astronauta quadrado, buraco redondo”… nada nos impede de prosseguir, basta saber como enfrentar as situações e de como sair triunfante delas, mesmo quando parece impossível.


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